E por falar em Malbec...

Já faz algum tempo que não tenho o Português como meu único idioma, mas, este sempre será meu principal.
Tenho um prazer enorme em escrever em inglês e também uso constantemente o espanhol, pois atualmente resido na Argentina. Porém, em dezembro deste ano volto à mátria e creio que chegou à hora de priorizar minha língua mãe.
Eis porque, o idioma de Camões passará a ser o principal deste blog, ainda que pretenda continuar prestigiando o de Shakespeare.

Antes de regressar ao Brasil tenho mais algum tempo entre os países que abrigam a Cordilheira dos Andes e, em breve farei uma viagem por alguns destes a qual definiria como ‘Turismo Gourmet Sem Frescura’ - a respeito disto falarei em outra oportunidade.

Nesta nota comento um ínfimo extrato do grande aprendizado que faz parte de minha experiência na Argentina – país que me acolhe a um ano e nove meses.

Não poderia deixar de iniciar por outra parte senão pela estrela deste ‘terruño’: Malbec.

É inegável que o Malbec é a estrela da vez. Ainda que eu acredite muito no potencial de diversas outras castas quem tem uma expressão muito interessante nestes pagos. Tais como Bonarda, Tempranillo, Syrah, Cabernet Franc, Petit Verdot – sendo o último considerado o melhor varietal da colheita deste ano, na avaliação nacional de vinhos (EVICO 2010).

A Argentina tem condições geográficas e climáticas que permitem a melhor expressão desta uva, que já foi muito desapreciada em seu país de origem, a França, e que atualmente - devido ao sucesso alcançado pela variedade neste lado do planeta - os franceses resolveram reconhecer seus atributos e dar-lhe uma mais atenção.

Relevância do Malbec
O Malbec representa boa parte da seleção de vinho tinto para o consumidor interno (41,7% em 2008) e sem dúvida alguma é o principal varietal de exportação (30,6% em 2008).

Em 2009, as exportações argentinas de Malbec engarrafado em todo o mundo foram 648.520 hectolitros, por pouco mais de 237,4 milhões de dólares. Desse montante, EUA representaram 45% (291.834 hl).
Em valores FOB, 53,6% do total de vinho Malbec para exportação está situado em uma faixa variando de US$ 2 a US$ 4 por litro. A faixa de preço entre US$ 4 e US$ 8 por litro representa 27,2% dos embarques.

Nos Estados Unidos, por exemplo, ele é imbatível na faixa de preço entre US$ 9,99 e US$ 14,99 em lojas de vinho; em cardápios de restaurantes entre US$ 30 e US$ 49 a garrafa e, de US$ 8 a US$ 13 por taça.

A crescente demanda do Malbec tem como principais protagonistas os EUA e o Canadá, mercados que representam 60% do total das exportações (49% e 11% respectivamente). Eles são seguidos pelo Brasil (6%), Reino Unido (6%), Holanda (3%), Suécia (3%), México (2%), Dinamarca (2%) e Suíça (2%).

Boa parte deste sucesso se deve a recente crise mundial que gerou uma mudança radical no consumo de vinhos, oportunizando a Argentina um momento único no mercado internacional, onde muitos consumidores buscaram produtos mais econômicos e de uma boa qualidade, para substituir aqueles antes comprados.

Os vinhos argentinos tornaram-se bastante interessantes, não somente pelo produto em si, como também por sua condição de preço - custo de mão de obra baixo e a moeda local desvalorizada, são fatores influentes nisto.

Em conseqüência, ainda que tenha houve um declive na exportação de vinhos a granel e básicos, o país teve um incremento importante na venda de seus vinhos finos.
Esta tendência continua e, os valores comparativos dos oito primeiros meses de 2010 (janeiro-agosto) em comparação a 2009 demonstram uma ascensão importante em distintos mercados:

Mercados (Vinhos Finos em garrafa)
ESTADOS UNIDOS
2009 - 126.050.135,68
2010 - 150.485.860,44
Variação: 19,39%
CANADA
2009 - 46.956.451,11
2010 - 57.882.360,25
Variação: 23,27%
BRASIL
2009 - 23.271.696,92
2010 - 33.905.852,70
Variação: 45,70%
REINO UNIDO
2009 - 26.280.629,23
2010 - 28.112.018,91
Variação: 6,97%
PAISES BAJOS
2009 - 21.870.821,44
2010 - 25.888.896,09
Variação: 18,37%
MEXICO
2009 - 6.860.624,41
2010 - 9.821.616,56
Variação: 43,16%
DINAMARCA
2009 - 8.037.950,84
2010 - 9.382.297,99
Variação: 16,72%
SUIZA
2009 - 6.861.721,09
2010 - 9.215.478,56
Variação: 34,30%
SUECIA
2009 - 7.338.096,26
2010 - 8.681.202,01
Variação: 18,30%
BELGICA
2009 - 5.438.580,36
2010 - 7.062.343,93
Variação: 29,86%

Há, obviamente, outros fatores relacionados, os quais pretendo comentar em uma próxima oportunidade.

Histórico
Em 1853, o agrônomo francês Aimé Pouget Michek, recomendou às autoridades de Mendoza, por Domingo Faustino Sarmiento, a introdução na província de Cuyo das primeiras mudas de Malbec. Doze anos depois, se reconhece o primeiro vinhedo desta uva na cidade de Panquehue, ao norte da capital, Mendoza.
No final do século XIX, a então chamada "uva francesa" foi a mais difundida na Argentina. Naquele período os viticultores plantavam de acordo com a tradição européia: para cada seis plantas da variedade Malbec, uma planta de Semillon. Assim, produzia-se um corte que, de acordo com os antigos enólogos, dava um grande equilíbrio e diminuía a aspereza marcada dos taninos do Malbec.

O Cavas de Weinert Estrella 1977; da vinícola de propriedade da família brasileira Weinert radicada em Mendoza desde os anos 70; produzido pelo enólogo Raul de La Mota, foi o primeiro Malbec emblemático dos vinhedos locais.




Na Argentina, chegaram a existir mais de 50 mil hectares de Malbec, distribuídas principalmente nas localidades mendocinas de La Consulta Mendoza, Luján de Cuyo e Medrano. Durante os anos 80, o país sofreu um grande processo de erradicação dos vinhedos que pôs em perigo a própria existência da estirpe, pensou-se que o futuro estava garantido, com base em um regime de comércio em que predominavam as variedades de rendimentos elevados. Mas, então, com a reestruturação das vinhas dos anos 90, que se caracterizou por uma diminuição acentuada do consumo de vinhos de mesa e aumentar as multas, reavivou a atenção ao Malbec.

Luján de Cuyo é uma Denominação de Origem Controlada (DOC) para todos os vinhos feitos de Malbec, nesta área da província de Mendoza, que cumpram com a legislação vigente.Ela foi aprovada em 1989 e se tornou o primeiro vinho DOC da Argentina. Tem um regulamento que, simultaneamente, controla a qualidade, produção, processamento, embalagem e comercialização na área geográfica delimitada, com castas tradicionais, típicos sistemas de cultivo, técnicas de gestão, etc.
O Malbec é cultivado em todos os oásis argentino, ao longo do cordão da Cordilheira dos Andes.

CARACTERÍSTICAS POR REGIÃO
A tipicidade Malbec varietal tem algumas características em comum (cor intensa, concentração de fruta, taninos redondos) no território argentino, providos principalmente por um clima muito especial de invernos e primaveras secos que permitem que as bagas Malbec permaneçam pequenas, o que cria o intenso sabor, textura e taninos aveludados que não pode ser repetido em outras partes do mundo. Contudo, a área de cultivo, suas condições climáticas e topográficas são alguns aspectos que fazem a distinção entre estas e, são esboços de uma identidade que de pouco em pouco os enólogos vão conhecendo e valorizando.

Há pouca investigação neste campo, porém, eu tive a oportunidade de participar de um estudo conduzido pelo INV (Instituto Nacional de Viticultura) em 2009 que tinha como objetivo principal analisar as particularidades do Malbec em distintas regiões da Argentina, através de um painel de degustação. Até o presente momento, o resultado da pesquisa não nos foi informado.

Algumas particularidades de cada província Argentina já são conhecidas e estão abaixo descritas, entretanto, ainda falta muita pesquisa no assunto e, eu julgo que este é um tema de grande importância para uma diferenciação de produtos e seus correspondentes mercados.

MENDOZA
Luján de Cuyo
É um dos lugares mais tradicionais para essa variedade. Suas áreas mais proeminentes são Perdriel, Agrelo, Las Compuertas, Vistalba e Lunlunta. O Malbec desta região é geralmente caracterizado por seu perfil de sabor mais relacionado com geléia, com notas de ameixa e frutas vermelhas. Eles são geralmente limpos, equilibrados e, sem muita aspereza.

Maipú
Esta é outra área tradicional para esta estirpe, vizinha de Luján e com características similares provenientes do calor. Destacam-se as áreas de Barrancas e Medrano. São identificados por seus aromas silvestres, que lembra o pinho e sua frescura em boca.


Valle de Uco
Apesar de manter a fruta, os Malbecs nesta área são mais picantes e os minerais do que os de Luján e em boca retém um notável frescor. Altamira, Vistaflores, La Consulta, Gualtallary são as áreas de maior prestígio, e onde os vinhedos logram mais caráter.

SAN JUAN
O Malbec de San Juan alcança sua forte identidade do sol quente desta província. Muitos deles são considerados demasiado maduros, com notas de frutas em geléia. O Vale do Perdenal, o mais alto desta região e maior amplitude térmica, é quase uma exceção a esta regra com seus Malbecs mais leves e frescos.

SALTA
Devido à incidência do sol e a altura dos seus vales, muitas vezes a fruta amadurece demasiado e isto se reflete nas notas de frutas muito maduras. Dois exemplos que são uma exceção a esta característica são das vinícolas Colomé e Yachochuya, onde muitos outros de seus vinhos apresentam nuances de herbáceo.

PATAGÔNIA
O Malbec sulista é o mais concentrado, embora um pouco mais fino e sem muita estrutura. Tem um frescor natural devido ao clima mais frio e não apresentam características de uva muito madura. Por enquanto existem pouca produção e os que se destacam são de Rio Negro e Neuquén.

PROGNÓSTICOS
A grande dúvida é se o Malbec continuará seu estrelato em escala ascendente ou é uma estrela decadente.
Alguns crêem que o Malbec já tem um espaço consolidado na preferência de um estilo de consumidor.
Outros prevêem que ainda há muitos mercados onde este estilo de vinho ainda está por ser descoberto e com isto há ainda bastante a realizar.

Eu confio que ambas as situações são possíveis, todavia, se todos pensam como eu que ‘a vida é curta demais para um só tipo de vinho’, penso que os produtores que queiram continuar exportando seus produtos deverão trabalhar de maneira diferenciada cada mercado (como muitos já o fazem) e diversificar sua produção sem depender exclusivamente de um estilo ou variedade (como poucos o fazem).

Acredito que o caminho seja estar atento ao mercado e escutar o consumidor; manter a consistência qualidade de produtos; respeitar, conhecer e investir nas particularidades deste território que fazem do Malbec e, de outras tantas cepas, elementos tão particulares.

Longa vida ao vinho de boa qualidade e a diversidade!

¡Salud!
Marcia Amaral


Fontes de Consulta:
http://comunidad.geosyr.com.ar/blogs/noticias/archive/2010/09/27/el-malbec-cepa-de-bandera-que-gana-en-ee-uu.aspx
http://www.winesur.com/top-news/malbec-madness-can-argentina-sustain-success
http://www.winesur.com/news/argentina-is-more-than-malbec
http://cavaargentina.com/es/noticias-nacionales/un-petit-verdot-fue-el-mejor-vino-de-la-cosecha-2010.html
Caucásia Wine Thinking January-August/2010 Report
Revista El Conecedor, Numero 58, Agosto 2009